segunda-feira, 23 de maio de 2011

Desvios Institucionais - 3 ano

3º Ano do Ensino Médio

O QUE SÃO DESVIOS INSTITUCIONAIS?
O que define Estado é o conjunto de suas regras jurídicas. O fundamental é que essas normas são postas para controlar o exercício do poder no Estado Democrático de Direito, fazendo que governantes, políticos e qualquer cidadão estejam submetidos ao império da lei.
Mas essa submissão dos agentes políticos não significa que não seja possível qualquer tipo de desvio. A noção de desvio implica a ideia de que um agente saiu de um certo caminho traçado. É como a água que transborda dos rios. Os rios são fluxos de água que seguem em uma direção específica. Quando transbordam, a água sai de seu fluxo normal e provocam estragos os mais variados. O desvio do fluxo da água também pode ser feito por intervenção humana, quando alguém muda a rota normal pela qual a água seguia. A norma jurídica posta pelo Estado tem a pretensão de ser algo semelhante a um rio, porque determina um fluxo da ação praticada por agentes humanos.
Essa é a noção que a ideia de desvio produz. Mas precisamos pensar. Quando é possível falar que um desvio ocorreu? De acordo com essa analogia com o fluxo da água de um rio, o desvio ocorre sempre que o fluxo de nossa ação social sai de sua normalidade. E onde essa normalidade da ação está posta? O que diz o que é normal e patológico? O normal está instituído no Direito, o qual diz o que é proibido e o que é permitido. Não por acaso a palavra normal tem a raiz etimológica da palavra norma. A norma institui aquilo que é normal. Só podemos pensar o desvio se houver uma norma que institui o que é normal, porque o desvio é, por definição, uma patologia.
Essa distinção entre o normal e o patológico foi criada pelo sociólogo francês Émile Durkheim, em seu livro As regras dométodo sociológico. A diferença entre o normal e o patológico para Durkheim é sublime e precisa de bastante reflexão, pois ela nos ajuda a entender o que dá coesão aos sistemas sociais.
A noção de desvio é devida ao pensamento de Durkheim, para o qual só é possível pensar em um comportamento desviante se houver uma normalidade instituída. Por isso, Durkheim afirmou que o crime como um tipo de desvio, é normal na vida social, porque não é possível ¬dizer o que vem primeiro, se o normal ou o patológico. O crime é normal na vida social porque não é possível pensar a existência de regras se não houver sua transgressão. Do mesmo modo que não é possível dizer que haja uma transgressão se não houver uma norma que diga o que é normal.
Como a Sociologia é a ciência que estuda as instituições sociais, segundo Durkheim, podemos pensar que ocorrem desvios nessas instituções. Como instituições, de acordo com o pensador francês, são artifícios humanos, trata-se dos desvios proporcionados pelos homens dentro das instituições. Vamos falar, essencialmente, dos desvios produzidos nas instituições do Estado, tendo em vista a política e a luta pelo poder. Mas quais são os desvios institucionais do Estado?

QUAIS SÃO OS DESVIOS INSTITUCIONAIS?
Vimos que para pensar a ideia de desvios institucionais, é fundamental ter em vista a noção de Direito: o império da lei institui aquilo que é normal e define, por sua vez, aquilo que é patológico, ou seja, o desviante da normalidade. A característica fundamental do Estado de Direito é o fato de o império da lei não permitir qualquer tipo de privilégio ou uso indevido do poder. A lei está a serviço da sociedade para controlar o poder do Estado e não permitir seus desvios.
Como a lei tem a pretensão de dar uma direção à nossa ação, os desvios institucionais apenas podem ocorrer em função dela. E como o império da lei, de acordo com Max Weber, na modernidade, vem para controlar o poder e acabar com os privilégios, os desvios institu¬cionais devem ser pensados a partir do Direito e da razão de Estado, e não dos interesses pessoais. Do ponto de vista dos elementos centrais para pensar os desvios institucionais, é fundamental ter a noção de que esses desvios são oriundos da luta pelo poder e dos privilégios de certos grupos sociais.
Poder e prestígio são os fatores centrais para a existência dos desvios institucionais. Eles são derivados do abuso do poder, seja político seja econômico, e dos privilégios de certos grupos sociais na sociedade. Entre os principais desvios institucionais estão o clientelismo, o nepotismo, a patronagem e a corrupção. São modulações dos desvios institucionais que estao relacionadas ao abuso do poder por certos agentes políticos ou aos privilégios que certos grupos sociais têm no exercício de seu poder. Na modernidade, a separação entre o público e o privado é o elemento central de constituição do Direito do Estado. O anormal, portanto, o que representa o desvio, é tudo aquilo que faz que o mundo privado não se diferencie do mundo público. Todos os desvios institucionais estão rela¬cionados a essa diferenciação entre o público e o privado.
O clientelismo é uma das práticas mais antigas da política. Pres¬supõe uma relação interativa entre o cliente e o patrão. Fundamental¬mente, o clientelismo é uma forma de vincular os homens livres a seus patronos, caracterizada pela troca de favores e de presentes, tendo em vista o apoio político. A relação entre patronos e clientes sustenta-se, por conseguinte, em um sistema de trocas que, enquanto prática, tolera certa prevaricação do patrono em relação à res publicae (coisa pública). Ou seja, o sistema de trocas do clientelismo permite uma tolerância sobre o fato de o chefe político elevar seu mundo privado sobre o mundo público.
O nepotismo, do mesmo modo que o clientelismo, é um tipo de prática antiga, datada do domínio dos papas sobre o império roma¬no. A palavra nepotismo vem do latim nepos, que quer dizer sobrinho. O nepotismo se referia ao poder dos sobrinhos do papa em Roma. Na acepção moderna, o nepotismo se refere a qualquer pessoa que exer¬ça um poder ou tenha certo privilégio porquanto tenha um parente em uma posição de comando. O nepotismo institui certos privilégios na administração do Estado e ineficiência da ordem burocrática. O nepotismo permite a apropriação de cargos públicos em virtude de laços exclusivamente pessoais, relacionados ao parentesco.
A patronagem é um sistema entre patrão e clientes, mas que ocorre exclusivamente no plano das instituições. A patronagem está relacionada aos sistemas partidários e ao modo como governantes exercem cooptação sobre os partidos. O governante dá aos partidos políticos recursos e poder em troca de apoio nas arenas legislativas. Com isso, os partidos apadrinhados pelo sistema de patronagem po¬dem participar dos despojos, ou seja, da distribuição dos cargos pú¬blicos para atender aos interesses privados de políticos e burocratas.
A corrupção, por outro lado, ocorre quando um funcionário públi¬co recebe vantagens em troca do não cumprimento de um dever oficial, seja para atender ao interesse privado de outro funcionário público, seja para atender ao interesse de um agente privado. A corrupção se dá, fun¬damentalmente, em razão do dinheiro e do poder.
OS DONOS DO PODER
(Raymundo Faoro)

A política será ocupação dos poucos, poucos e esclarecidos, para o comandc das maiorias analfabetas, sem voz nas urnas. [...]
Nos primeiros arrancos republicanos, com o Exército na chefia do governo e nomeados os governadores [...], a estrutura não sofre alterações. A dinâmica do regime, eletivos os cargos, sobretudo o cargo de governador leva a deslocar o eixc decisório para os Estados, incólumes os grandes, cada dia mais, à interferência do centro, garantindo-se e fortalecendo-se este com o aliciamento dos pequenos, num movimento que culmina na política dos governadores. Dentro de tal se¬quência é que se afirma o coronelismo, num casamento, cujo regime de bens e relações pessoais será necessário disseminar, com as oligarquias estaduais. [...]
O coronel, antes de ser um líder político, é um líder econômico, não necessa¬riamente, como se diz, o fazendeiro que manda nos seus agregados, empregados ou dependentes. O vínculo não obedece a linhas tão simples que se traduziram no mero prolongamento do poder privado na ordem pública. [...] Ocorre que o coronel não manda porque tem riqueza, mas manda porque se lhe reconhece esse poder num pacto não escrito. Ele recebe — recebe ou conquista — uma fiuida delegação, de origem central do Império, de fonte estadual na República, graças à qual sua autoridade ficará sobranceira ao vizinho, guloso de suas dragonas simbólicas, e das armas mais poderosas que o governador lhe confia. O vínculo que lhe outorga poderes públicos virá, essencialmente, do aliciamento e do preparo das eleições, notando-se que o coronel se avigora com o sistema da ampla eletividade dos cargos, por semântica e vazia que seja essa operaçao.

FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. Porto Alegre; Rio de Janeiro. Globo, 1985 v 2 p 621 2

Com base na leitura do texto de Raymundo Faoro, responda às questões a seguir:
1 - O que o autor entende por coronelismo? Pode-se afirmar que se trata de um desvio institucional?
2 – O trecho selecionado aborda a passagem do Império para a Repú¬blica no Brasil. Pode-se afirmar que, com a instituição desse novo regime, a maior parte da população passou a ter voz na política do país? Justifique sua resposta.
3 - Em que medida a “política dos governadores” determinou o coronelis¬mo? Recorra ao texto “Coronelismo, um tipo particular de clientelis¬mo”, se julgar necessano.
4 - A partir da prática do coronelismo, como se pode interpretar a frase: “A política será ocupação dos poucos, poucos e esclarecidos, para o comando das maiorias analfabetas, sem voz nas urnas”?
6 De que maneira o coronelismo fere os princípios da democracia?

CORONELISMO, UM TIPO PARTICULAR DE CLIENTELISMO
Um dos desvios institucionais mais frequentes na história da humanidade é o que se refere ao uso que determinados grupos políticos fa¬zem do Estado para se perpetuar no poder. No Brasil, uma das palavra que melhor expressam esse tipo de prática é coronelismo. Até hoje importantes líderes — geralmente exercendo mandatos parlamentares ou ainda no Poder Executivo local e regional — têm sua força eleitoral atribuída às práticas coronelísticas historicamente construídas.
A origem do coronelismo está associada à própria constituição do Estado nacional brasileiro após a independência política, proclamada em 1822. Com o argumento de que era necessário garantir a unidade nacional, o imperador D. Pedro I impôs uma Constituição que lhe ara¬buía poderes absolutos, decisão que causou revoltas em diversas regiões do país. Sem conseguir se impor diante de uma oposição política cada vez mais forte no Brasil e aparentemente muito interessado no processo sucessório da Coroa portuguesa, D. Pedro I renunciou. Seu herdeiro, D. Pedro de Alcântara, tinha então apenas cinco anos de idade.
Assim teve início o período regencial (1831-1840) . Foi uma época de muita agitação e, a princípio, o governo ficou sob o controle dos políticos moderados (os chimangos). A oposição a eles se articulou, de um lado, em torno de políticos conservadores conhecidos como caramurus, que desejavam o retorno ao poder de D. Pedro I, movimento que só acabou após sua morte, em 1834. De outro lado, no grupo conhecido como “exaltados” (ou farroupilhas), estavam os defensores de reformas radicais do sistema de governo, entre eles os federalistas, que queriam descentralizar o poder político, e os republicanos, que lutavam pelo fim da Monarquia.
Os grupos sociais que não se sentiam representados pelos polí¬:nos tradicionais acirraram o clima de conflito com conspirações e violentas manifestações populares e militares nas ruas.
Em meio à crise surgida após a abdicação e em virtude da falta de entendimento entre as elites políticas, a Regência Trina tentava con¬quistar o apoio dos grandes fazendeiros. A maior preocupação era: como controlar o poder político e garantir sua dominação social? Uma das medidas destinadas a resolver esse problema foi a criação da Guarda Nacional, em 1831. Dela só poderiam participar homens que tivessem uma renda mínima anual de cem mil réis, comandados pelo chefe político local eleito pelos fazendeiros para a função de coronel.
Teoricamente, a Guarda Nacional deveria ser mobilizada para de defender o interesse público, mas na prática os coronéis defendiam os interesses particulares das elites políticas e econômicas. As disputas pelo poder local se davam em torno do controle do então frágil aparelho de Estado existente nos municípios. A função de coronel tornou-se um pos¬to cobiçado, pois poderia decidir quem seria dono do poder local.
Além do uso da violência contra seus inimigos políticos, os coronéis concediam pequenos favores e providenciavam alguns benefícios à população em troca de voto em seus candidatos.
Durante toda a República Velha (1889-1930), interessava ao go¬verno federal que houvesse líderes locais com quem pudesse realizar troca de favores. Num país em que a principal atividade geradora de riquezas era a agricultura e, por causa disso, a maioria da população vivia no meio rural, os presidentes articulavam apoio nos estados por meio da “política de governadores”, trocando apoio político por verbas públicas para obras do interesse local. Os governadores eram eleitos em razão dos apoios recebidos dos coronéis de seu estado, formando uma rede de compromissos políticos e particulares.
Apesar da extinção da Guarda Nacional em 1922, a força política dos cooronéis manteve-se durante algum tempo com jagunços e capangas para combater as tentativas de desafio aos seus interesses. Símbolo de um mundo rural em rápida transformação, o coronelismo entrou em decadência a partir da década de 1930, à medida que a modernização da sociedade brasileira se refletia na industrialização e urbanização do país.

Padre Cícero, um coronel de batina
Considerado um santo por muitos, padre Cícero Romào Batista (1844 - 1934) ainda hoje é tido como uma das figuras políticas brasileiras mais polêmicas. Nascido em Crato, interior do Ceará, Cícero ordenou-se padre em 1870 com o apoio de um importante coronel de sua região. Foi suspenso de suas atividades sacerdotais pelo bispo de Crato em 1892. após envolver-se na divulgação de um suposto milagre do qual teria participado no povoado de Juazeiro do Norte.
A partir de então, aproveitando o enorme prestígio obtido na luta pelo reconhecimento do milagre, padre Cicero iniciou suas atividades políticas ao se tornar o primeiro prefeito de Juazeiro, aliando-se ao governador Nogueira Acioli, representante das oligarquias que dominavam o estado havia 25 anos. Em 1912, o governo federal interveio na política cearense. apoiando militarmente a posse do candidato Franco Rabelo. O novo governador, dentre várias ações que provocaram revolta entre os coronéis cearenses, afastou o padre Cícero do cargo de prefeito.
De dezembro de 1913 a março de 1914, o estado foi abalado por sangrentos combates entre forças legalistas e tropas de jagunços sob o comando do deputado Floro Bartolomeu, com apoio do padre Cícero. Após várias derrotas, e com os revoltosos invadindo Fortaleza, Franco Rabelo renunciou. O padre Cicero foi nomeado vice-governador do estadc .
Ao longo de sua vida, padre Cícero acumulou grande fortuna, tornando¬ - se proprietário de mais de trinta fazendas. Em seu terceiro testamento, deixou boa parte de sua fortuna para a Diocese de Crato e para várias ordens e irmandades religiosas. O carisma político e a influência religiosa do “padim Ciço” movimentam até hoje romarias com milhares de pesso que todos os anos vão a Juazeiro pedir a bençào dele.

A DEVOÇÃO PELO CÍCERO
Todos os anos, cerca de dois milhões de peregrinos visitam Juazeiro do Norte, CE, movidos pela crença nos milagres do padre Cícero. Apesar de a Igreja nunca ter reconhecido seus supostos milagres nem seu papel missionário, a veneraçao em torno do padre levou algumas autoridades católicas a rever sua posição.
A polêmica em torno do assunto tem por origem o fenômeno de transformação de hóstias em sangue no momento da comunhão da beata Maria de Araújo, que teria se repetido diversas vezes entre 1889 e 1891. Na época, uma comissão havia concluído pela autenticidade dos fatos. Mas o bispo de Crato, tido como adversário político do “padim Ciço”, formou nova comissão que reduziu o episódio a uma farsa. Em função disso, o padre foi suspenso de suas atividades eclesiásticas e chegou a ter uma ordem de excomunhão expedida pelo papa LeãoXIII. Apesar disso, a fama dos milagres continuou se espalhando e transformou a crença no padre Cícero num negócio muito rentável, movimentando a economia da cidade de Juazeiro com o crescimento da indústria e do comércio de suvenires religiosos.
Diante da expansão das religiões protestantes pelo interior do Nordeste, a reabilitação do “padim” pela Igreja Católica pode contribuir para a manutenção de seus fiéis e preservação da influência do clero católico na região.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

A INSTITUIÇÃO ESCOLAR - 1 ANO


Educação materializada: indagações iniciais

A educação materializada na escola é resultado de uma construção histórica. O homem, historicamente, desenvolve a educação por meio da aprendizagem mútua. Na antigüidade acontecia através da transferência de pais para filhos. Na idade média passa-se a enxergar a educação de forma diferenciada, sendo que as classes “abastadas” pagavam mestres particulares para suas crianças. Foi no século XVIII que nasceram as primeiras escolas públicas mantidas pelo Estado. Em meio a este processo histórico, a escola sempre foi tida como instrumento das classes dominantes para manutenção de sua hegemonia.

O homem é sujeito em meio a relações dialéticas e históricas, as quais envolvem questões políticas, econômicas, sociais e culturais. Como nos ensina Leontiev (1978), o homem é um ser de natureza social e tudo o que tem de humano nele é resultado da sua vida em sociedade, no seio da cultura criada pela humanidade. O autor mostra ainda que com o progresso da humanidade, acumula-se a prática sócio-histórica, possibilitando o crescimento do papel específico da educação, tornando a tarefa desta cada vez mais complexa “[...] esta relação entre o progresso histórico e o progresso da educação é tão estreita que se pode, sem risco de errar, julgar o nível geral do desenvolvimento histórico da sociedade pelo nível de desenvolvimento do seu sistema inversamente” (LEONTIEV, 1978, p. 273).

Na sociedade primitiva, a educação acontecia de modo espontâneo e integral, ou seja, não existiam instituições educacionais. Portanto, o processo educativo tinha como instrumento a transmissão entre os membros do grupo, por isso, se dava integralmente. Conforme afirma Ponce (1986), na sociedade primitiva, sem a divisão de classes, os objetivos da educação são resultados da estrutura homogênea do ambiente social, identificando-se com os interesses comuns do grupo, acontecendo de forma igualitária para todos os membros. O modelo de sociedade primitiva é superado a partir do momento em que se estabeleceu a divisão de classes, onde acontece a substituição da propriedade comum pela propriedade privada, o processo educativo, também, sofre tais influências, pois

[...] com o desaparecimento dos interesses comuns a todos os membros iguais de um grupo e sua substituição por interesses distintos, pouco a pouco antagônicos, o processo educativo, que até então era único, sofreu uma partição: a desigualdade econômica entre os “organizadores” – cada vez mais exploradores – e os “executores” – cada vez mais explorados – trouxe, necessariamente, a desigualdade das educações respectivas (PONCE, 1986, p. 25).

Para a manutenção da educação imposta pelas classes dominantes, segundo o autor anteriormente citado, busca-se o cumprimento de três finalidades essenciais, as quais são, em primeiro lugar a destruição dos vestígios da tradição inimiga; a segunda finalidade está na consolidação da classe dominante e, em terceiro, é essencial uma educação que previna uma possível rebelião das classes dominadas. Veremos no decorrer deste trabalho que tais finalidades não se modificaram com o avanço da sociedade embora tenham adquirido características diferentes.

Conforme Pires (2003, p. 46-47), na sociedade dividida em classes, a educação é utilizada para formar o “[...] homem limitado e cerceado em suas possibilidades de enriquecimento: para o fortalecimento do homem unilateral” Afirma ainda que, tal direcionamento perpassa a escola, pois “[...] Tanto na escola como na vida, a educação burguesa é um instrumento de dominação de classe, tendo seu poder localizado sobretudo na capacidade de reprodução [...] adequadas à reprodução dos interesses e do poder burguês” (PIRES, 2003, p. 47).

A autora Otaíza Romanelli (2002) chega a afirmar que a escola surge como instrumento para a manutenção dos desníveis sociais. Salienta que a função desta foi a de manter privilégios, pois a própria instituição se apresenta como privilégio da classe dominante a partir do momento que se utiliza de mecanismos seletivos e de conteúdo cultural que não propicia às camadas sociais, ao menos, uma preparação eficaz para o trabalho. Portanto, educação para exploradores e explorados acontece de forma diferenciada, propiciando a manutenção de tal divisão.

Escola na sociedade de classes: manutenção da divisão econômica e sócio-política

Devemos considerar, que o termo Escola possui variações. Conforme Manacorda (1991), a utilização de tal termo é anacrônica quando aplicado à épocas antigas e sobrepõe sentidos novos para instituições que recebem esse nome em períodos históricos posteriores, pois sofre novas determinações. É nas cortes dos estados da Mesopotâmia e vale do rio Nilo que nasce a escola como local para educação dos jovens, se estendendo dali para Grécia e Roma, desenvolvendo-se, conforme o autor, com diferenciações históricas, partindo de instituições de educação no interior da família [1]

Historicamente, assim, é exatamente da educação, confiada no interior da “família” à educadores especialistas, aos filhos dos poderosos (do faraó, dos “minos”, do anax , do basileu , do pater ) e, em torno dos quais se agregam os filhos de várias famílias eminentes, que surgem as primeiras “escolas públicas”, ou seja, abertas aos jovens de várias famílias que se interessavam, cada vez mais, pela vida pública e se caracterizam por esse conteúdo específico. Essas escolas, com o apoio da divisão do trabalho existente no próprio interior das classes dominantes, aparecem, por um lado, como escola de cultura para os “pensadores de classe”, seus “ideólogos ativos”. [...] e, por outro, como ginásios ou tribunais onde os cidadãos guerreiros se educavam para o exercício do poder político e da arte militar. [...] Mas, fossem escolas de sacerdotes ou de cidadãos-guerreiros, permaneciam como estruturas específicas e exclusivas para a formação das classes dominantes [...] (MANACORDA, 2002, p. 117).

Percebemos na citação acima, que a escola pública, nas sociedades antigas, já visava a manutenção das classes dominantes no poder [2]. Eram consideradas públicas, por mostrar aos jovens como a sociedade se organizava naquele período. Segundo Manacorda (2002, p. 357) a Idade Média pode ser considerada como um período de desintegração e de reconstrução, sendo incluídos novos protagonistas em meio das relações sociais. Refere o autor que “[...] As antigas divisões horizontais classistas entre quem se educa para ‘o dizer e o fazer as coisas da cidade' e que se prepara para o trabalho produtivo subordinado, acrescenta-se a divisão vertical entre os legales domini e os barbari reges [3][...]”.

Lembremos que foi na transição da Idade Média para Moderna que se passou a questionar a vinculação entre ciência e religião, deixando-se de considerar a primeira como parte da segunda, conforme fazia a Escolástica. O pensamento moderno se divide em quatro períodos, sendo Renascimento, Racionalismo, Empirismo e Iluminismo. Foi principalmente no Iluminismo que a ciência deu seu passo fundamental. Nega estar vinculada à religião, ao cristianismo ou questões mitológicas. Sob a “dinastia” da igreja católica, muitos filósofos foram perseguidos por defenderem tais posições.

Para Luzuriaga (1959), a educação pública, mantida e dirigida por autoridades oficiais é de origem moderna. Inicia-se no século XVI com a Reforma religiosa [4], pois através desta, a educação medieval sofre mudanças significativas. Estabelece-se, portanto a Educação Pública Religiosa , que mantém o objetivo da educação medieval, que é a formação do fiel, do cristão, entretanto, demonstra caráter mais secular e nacional. É no final do século XVII que o Estado entra em processo de secularização culminando no século XVIII na Educação Pública Estatal [5], que com caráter disciplinar e autoritário, tem como principal objetivo a formação do súdito, em especial do militar e do funcionário.

Foi no final do século XVIII que aconteceu a Revolução Francesa, precisamente, no ano de 1789, havendo a união do povo francês sob a liderança da burguesia, tendo como principal marco a derrota do regime Absolutista. Neste processo que nascem as primeiras reivindicações de direitos, dentre eles, o direito à escola pública como responsabilidade do Estado. Manacorda (2002, p. 358) mostra que neste período histórico, o qual é chamado por ele de Setecentos, é que se

[...] faz da escola, sem mais rodeios, um politikum , um interesse geral que o próprio poder não somente controla mas já organiza e renova como algo de sua própria competência. E à iniciativa do despotismo esclarecido se acrescenta logo a duas revoluções do novo e do velho mundo: nas palavras dos jacobinos [6], a instrução torna-se “uma necessidade universal” (MANACORDA, 2002, p. 358).

O objetivo da educação moderna, segundo Manacorda (2002), se pauta na necessidade de educar humanamente todos os homens. Para a efetivação de tal princípio, os pensadores do período buscavam diversas maneiras e iniciativas, as quais recaíam muitas vezes no paternalismo e assistencialismo. Os primeiros planos de instituição de escolas foram pensados, segundo o autor, em 1763, visando, principalmente, a formação da inteligência por meio do ensino da história e das ciências naturais. Entretanto, não visava atingir toda população, sendo, inclusive contrária a educação propiciada aos trabalhadores, desenvolvida por “irmãos das escolas cristãs”.

Nesse período estabelece-se, segundo Luzuriaga (1959), a Educação Pública Nacional que tem como objetivo valores burgueses defendidos na Revolução Francesa, os quais se referem à formação do cidadão através da educação cívica e patriótica com caráter popular, elementar e primário. Percebemos que a educação pública também sofre influências de outro fato histórico importantíssimo ocorrido no final do século XVIII, a Revolução Industrial. Devemos considerar esta revolução como um dos principais marcos do século XVIII, pois através desta os rumos da sociedade foram modificados, inclusive os da educação.

Manacorda (2002, p. 248) coloca que a Revolução Industrial afeta a vida dos homens, pois além de transformar o modo de produção através da modificação dos processos de trabalho, no qual o trabalho artesanal é abolido, traz consigo mudanças significativas nas idéias e na moral. Portanto, nas formas de instrução, “[...] abrindo espaço para o surgimento da moderna instituição escolar pública. Fábrica e escola nascem juntas [...]”. Mostra ainda que a Revolução Industrial além de modificar a vida social naquele momento histórico, traz transformações que modificaram a história da humanidade:

É uma maturação de consciência que não se compreende levar em conta o desenvolvimento do real com a revolução industrial, que não somente efetua o encontro entre artes liberais e mecânicas, entre geometria intelectual e experimental, mas subtrai o homem em crescimento, o adolescente , da angústia familiar e corporativa e joga-o no mais vasto mundo social . O nascimento da escola pública é contextual ao da fábrica e comporta grandes mudanças na vida social dos indivíduos. ( MANACORDA, 2002, p. 249, grifo nosso) .

Acontece também, a partir daí a divisão do trabalho, modificando significativamente a relação, até então estabelecida entre homem/trabalho. Ao lermos as críticas referentes à divisão do trabalho efetivadas por Marx na obra “O Capital”, percebemos que a prática humana se fragmenta, primeiramente nas manufaturas [7] e segue até a fase industrial, ou melhor, até a sociedade contemporânea. Marx (1987, v. 1, p. 387) mostra que na divisão do trabalho “[...] cada operação se cristaliza em função exclusiva de um trabalhador e sua totalidade é executada pela união desses trabalhadores parciais. Desse modo, combinando diferentes ofícios sob o comando do mesmo capital, surgiram as manufaturas [...]”.

Devemos considerar que a efetivação da divisão sócio-técnica acontece a partir de dois momentos: o primeiro refere-se à divisão do trabalho, conforme discutimos acima, o segundo acontece quando a divisão do trabalho torna-se também social. Marx (1987, p. 403) afirma que “A divisão social do trabalho e a correspondente limitação dos indivíduos a esferas profissionais desenvolvem-se, como a divisão do trabalho na manufatura [...]”. Vemos, então, que é somente a partir da troca entre ramos de produção que surge a divisão social do trabalho , ou seja, acontece através da exploração das forças de trabalho parciais por um mesmo capitalista, que as emprega como força de trabalho coletiva.

[...] só o produto coletivo dos trabalhadores parciais transforma-se em mercadorias. A divisão do trabalho na sociedade se processa através da compra e venda dos produtos dos diferentes ramos de trabalho, a conexão, dentro da manufatura, dos trabalhos parciais se realiza através da venda de diferentes forças de trabalho ao mesmo capitalista que as emprega como força de trabalho coletiva. A divisão manufatureira do trabalho pressupõe concentração dos meios de produção nas mãos de um capitalista, a divisão social do trabalho, dispersão dos meios de produção entre produtores de mercadorias, independentes entre si [...] ( MARX, 1987, p. 407).

A discussão que nos interessa aqui é referente à influência da divisão sócio-técnica do trabalho na educação. Entendemos que junto a tal divisão, inicia-se também o processo de alienação do homem. O homem, torna-se fragmentado, produz mercadorias sem ter consciência do produto final, sendo forçado a não exercitar o trabalho intelectual, utilizando apenas o trabalho físico. Segundo as palavras de Marx (1987, p. 412- 413, grifo nosso), “[...] não só o trabalho é dividido e suas diferentes frações distribuídas entre os indivíduos, mas o próprio indivíduo é mutilado e transformado no aparelho automático de um trabalho parcial [...]”.

É na indústria moderna que a mutilação do homem se completa, “[...] que faz da ciência uma força produtiva independente de trabalho, recrutando-a para servir ao capital” (MARX, 1987, p. 414). Surge a partir daí a fase da maquinaria, na qual a divisão do trabalho acontece através da distribuição dos trabalhadores pelas diferentes máquinas, setores, seções “[...] o grupo organizado da manufatura é substituído pela conexão entre o trabalhador principal e seus poucos auxiliares [...]” (MARX, 1987, p. 480). O pensador Engels (1977) também reafirma o papel da máquina no cotidiano do homem e refere que até os séculos XVII e XVIII os homens trabalharam para criar a máquina a vapor, sem suspeitar que tal instrumento mudaria a história da humanidade e as condições sociais de todo o mundo, evidenciando a luta de classes, pois

[...] ao concentrar a riqueza nas mãos de uma minoria e ao privar de toda propriedade a imensa maioria da população, haveria de proporcionar primeiro o domínio social e político à burguesia, e provocar depois a luta de classe entre a burguesia e o proletariado, luta que só pode terminar com a liquidação da burguesia e a abolição de todos os antagonismos de classe (ENGELS, 1977, p. 72).

Além de trazer a luta de classes para o “palco” da sociedade capitalista, é na maquinaria que se efetiva a alienação, como salienta Marx (1987, p. 243) “[...] utiliza-se a maquinaria, para transformar o trabalhador desde a infância, como parte de uma máquina parcial [...]”, mostra ainda de que forma o trabalho na fábrica faz com que o homem sofra influências físicas e mentais. Conforme citação,

O trabalho na fábrica exaure os nervos ao extremo, suprime o jogo variado dos músculos e confisca toda a atividade livre do trabalhador, física e espiritual . Até as medidas destinadas a facilitar o trabalho se tornam meio de tortura, pois a máquina em vez de libertar o trabalhador do trabalho, despoja o trabalho de todo interesse. Sendo, ao mesmo tempo, processo de trabalho e processo de criar mais valia, toda produção capitalista se caracteriza por o instrumental de trabalho empregar o trabalhador e não o trabalhador empregar o instrumental do trabalho [...] (MARX, 1987, p. 483-484, grifo nosso).

Lembremos que para Marx o trabalho é que constrói o homem, então, se este acontece sob atividades alienantes, toda a atividade humana será prejudicada. Relacionando educação e trabalho, vemos que em meio da divisão de classes, a alienação é uma das categorias essenciais, pois a construção do processo educativo humano se insere nela. Diante disso, consideramos que as discussões e os conceitos desenvolvidos pela tradição marxiana são essenciais para a compreensão da educação na sociedade organizada pelo modo de produção capitalista.

O autor Franco Cambi (1999) considera que o século XVIII foi marcado por três revoluções, sendo a independência americana, a burguesa/jacobina na França e a econômico-industrial na Inglaterra. Ressalta que neste período passa a acontecer a difusão quase massificada de idéias e organicamente ocorre a manifestação da cultura laicizada. O novo sujeito social é o homem-indivíduo e a imagem do Estado e da economia rompem com o antigo regime. Assim ocorre efetivamente o estabelecimento da modernidade em decorrência de mudanças concretas na organização da sociedade. Por isso, segundo o autor, acontece a realização da sociedade moderna em sentido estrito, ou seja, uma sociedade

[...] burguesa, dinâmica, estruturada em torno de muitos centros (econômicos, políticos, culturais, etc.), cada vez mais participativa e inspirada no princípio-valor da liberdade. O século XVIII é, a justo título, o divisor de águas entre mundo moderno e mundo contemporâneo: decanta as estruturas profundas realiza as instâncias-guia do primeiro, contém os “incunábulos” do segundo. E a laicização aliada ao reformismo (político e cultural sobretudo) são as bases que sustentam este papel do século das Luzes [...] (CAMBI, 1999, p. 324).

Mesmo diante de grupos politicamente contrários, uma nova estrutura escolar passa a ser pensada e introduzida na sociedade moderna. A escola surge, neste período, segundo Saviani (1997), como solução à ignorância, vista como instrumento para difusão de instrução, transmissão de conhecimentos acumulados pela humanidade e sistematizados logicamente, equacionando assim, o problema da marginalidade.

A constituição da escola como “direito”, tem seu ponto de partida, como já referimos, na Revolução Francesa, momento este em que a burguesia se mostra como classe revolucionária e conquista o poder. Os fundamentos ideológicos são pautados nos já mencionados valores burgueses. A marginalização social que o homem é colocado, justifica-se pela ignorância, então, faz-se necessária a criação de instituições “capazes” de tirar o homem desta condição, sendo, assim constituída a Escola Tradicional, conforme mostra o autor

A constituição dos chamados “sistemas nacionais de ensino” data de meados do século passado [8]. Sua organização inspirou-se no princípio de que a educação é direito de todos e dever do Estado. O direito à educação decorria do tipo de sociedade correspondente aos interesses da nova classe que consolidara no poder: a burguesia. Tratava-se, pois, de construir uma sociedade democrática, de consolidar a democracia burguesa. Para superar a situação de opressão própria do “Antigo Regime”, e ascender a um tipo de sociedade fundada no contrato social celebrado “livremente” entre os indivíduos, era necessário vencer a barreira da ignorância. Só assim seria possível transformar os súditos em cidadãos, isto é, em indivíduo livres porque esclarecidos, ilustrados. [...] A escola é erigida, pois, no grande instrumento para converter os súditos em cidadãos [...] (SAVIANI, 1997, p. 17-18).

No século XIX, nascem novos protagonistas. A burguesia deixa de ser a única classe em “cena”. O proletariado industrial começa a movimentar-se, reivindicar direitos, iniciar mobilizações e até, arrisca algumas revoluções societárias. As questões políticas passam a caminhar concomitante a questão social, conforme afirma Manacorda (2002, p. 269-270, grifo nosso):

De fato, por revolução política e revolução social , em relação ao Oitocentos se entendeu, quanto à primeira, a revolução burguesa e, quanto à segunda, a revolução proletária , como se a burguesia visasse somente mudanças políticas sem conteúdos sociais e de classe, e o proletariado visasse somente mudanças sociais sem problemas de poder político. Mas a forma histórica de traduzir esses termos do discurso é que, ao lado da burguesia, até agora protagonista da história moderna, surge uma força antagônica, que a própria burguesia suscita e sem a qual não pode subsistir: é o moderno proletariado industrial [...].

Ocorrem grandes mudanças conjunturais na sociedade Moderna, pois como nos lembra Manacorda (2002), esse processo de transformação do trabalho humano não desloca apenas a população das oficinas artesanais para as fábricas, traz também a população do campo para a cidade. A sociedade urbana ganha forças e traz consigo conflitos sociais, transformações culturais e morais. Conseqüentemente, a educação também sofre grandes modificações.

Devemos ainda considerar que o Estado moderno e a igreja Católica entram em conflito, pois a Igreja resiste em passar a responsabilidade da educação ao Estado, entretanto, segundo Manacorda (2002), em 1893, o Papa Leão XIII passa a denotar indícios de que estaria se unindo ao mundo moderno e às aproximações das correntes liberais, tendo como principal objetivo o impedimento de avanços do socialismo. A divergência entre Estado e Igreja era mínima, perto do verdadeiro conflito que se tornava evidente naquele período, ou seja, a luta de classes efetivada entre capital e trabalho por meio dos estudos marxianos. Manacorda (2002, p. 229) mostra como o Marxismo interfere nas questões da época, principalmente no que se refere à necessidade da emancipação humana proposta pelo socialismo:

A emancipação é então da Igreja e do Estado. Com estas teses e exigências o socialismo apresentava-se no palco da história, inicialmente com os utopistas, que contrapõem às contradições da realidade, soluções totalmente abstratas, elucubrações ideais e tentativas menos solitárias, e em seguida com Marx, que procura deduzir rigorosamente do agravamento das mesmas contradições a demolição da antiga realidade social, destruidora dos indivíduos e a constituição de uma realidade social nova, formadora de “uma totalidade de indivíduos totalmente desenvolvidos (MANACORDA, 2002, p. 229).

Outro fator relevante do século XIX refere-se à relação entre educação/sociedade desenvolvida na pedagogia moderna. Segundo Manacorda (2002), existem dois aspectos fundamentais, sendo que o primeiro corresponde a transferência do processo de instrução técnico-profissional, que acontecia no ambiente do trabalho, para “a escola”. As crianças passam a desenvolver seu processo de aprendizado em lugar diferente do adulto. Outro aspecto refere-se à descoberta da psicologia infantil e suas exigências ativas.

O autor mostra que o trabalho se insere em tais vertentes por meio de dois caminhos, a revolução industrial e a psique infantil, tendo como principal fundamento a capacidade produtiva do homem, conforme mostra a citação abaixo:

O trabalho entra, de fato, no campo da educação por dois caminhos, que ora se ignoram, ora se entrelaçam, ora se chocam: o primeiro[9] caminho é o desenvolvimento objetivo das capacidades produtivas sociais (em suma, da revolução industrial), o segundo [10] é a moderna “descoberta da criança”. [...] Portanto, a instrução técnico-profissional promovida pelas indústrias ou pelo Estado e a educação ativa das escolas novas, de um lado, dão-se as costas, mas, do outro lado, ambas se baseiam num mesmo elemento formativo, o trabalho, e visam o mesmo objetivo formativo, o homem capaz de produzir ativamente (MANACORDA, 2002, p. 304-305).

Apreendemos, portanto que “[...] nesse processo evolutivo, o Oitocentos revela que o politikum , é também, social [...]” (MANACORDA, 2002, p. 358). Efetiva-se a aliança do saber com a indústria, considera-se o papel do trabalho e, ainda, muitas modificações acontecem no aspecto do sistema educativo. Desenvolvem-se nesse período discussões e reivindicações pela busca da estatização, democratização e laicização da educação. Conforme mostra Manacorda (2002, p. 358) “[...] verifica-se a ‘aliança do saber com a indústria': a instituição escola recebe do trabalho produtivo conteúdos culturais antes excluídos; as novas disciplinas científicas técnicas são o aspecto moderno dos inerentes às antigas artes mecânicas [...]”.

Considera Luzuriaga (1959, p. 98) que na medida em que avança a participação popular, surge a Educação Pública Democrática, que tem como objetivo a formação do homem completo. Salienta o autor que, “O século XIX foi, [...] o século da educação pública nacional; mas também nele se levantaram vozes em favor da educação pública democrática [...] como parte integrante do movimento pedagógico democrático geral do século XX”. Vale lembrar que falar em democracia na modernidade é falar em valores burgueses.

Pedagogicamente mudam as direções do papel da educação na sociedade. Começa surgir uma grande decepção com relação à Escola Tradicional, pois esta não consegue efetivar a “universalização” proposta pela classe burguesa. Portanto, no final do século XIX, segundo Saviani (1997), estabelece-se o movimento denominado “escolanovismo”, o qual poderia ser considerado como reformador. A ignorância deixa de ser o único motivo da marginalidade. Com isso, o marginalizado passa a ser visto como “o rejeitado”. Mostra o autor que se desloca o eixo pedagógico direcionado ao intelecto, para o psicológico, “[...] Em suma, trata-se, de uma teoria pedagógica que considera que o importante não é aprender, mas aprender a aprender” (SAVIANI, 1997, p. 21). Acontece, portanto, a biopsicologização da educação, sociedade e escola.

Observamos que, mesmo propiciando mudanças teóricas na forma de ensinar e organizar a escola, os objetivos não se modificam, somente as estratégias da “transmissão educativa”. Para Saviani (1997, p. 22), a Pedagogia da Escola Nova aprimorou a qualidade do ensino destinado às elites, agravando a questão da marginalidade. Transforma o eixo de preocupação política em técnico-pedagógico, “[...] cumprindo uma dupla função: manter a expansão da escola em limites suportáveis pelos interesses dominantes e desenvolver um tipo de ensino adequado a esses interesses [...]”. Em meados do século XX, a pedagogia da Escola Nova passa a denotar exaustão. Em contrapartida desenvolve-se, segundo o mesmo autor, a pedagogia tecnicista[11]. Isso torna o processo educativo mais objetivo e operacional, pois adapta o trabalhador ao processo de trabalho e favorece a necessidade produtiva capitalismo,

[...] Buscou-se planejar a educação de modo a dotá-la de uma organização racional capaz de minimizar as interferências subjetivas que pudessem por em risco sua eficiência. [...] Daí também o parcelamento do trabalho pedagógico com a especialização de funções, postulando-se a introdução no sistema de ensino de técnicos das mais diferentes matizes. Daí, enfim, a padronização do sistema de ensino a partir de esquemas de planejamento previamente formulados aos quais devem se ajustar as diferentes modalidade de disciplinas e práticas pedagógicas (SAVIANI, 1997, p. 24).

Percebemos ser essencial o conhecimento de como tais teorias se constroem, pois, como sempre afirmamos, devemos entender a escola contemporânea como resultado de um processo histórico. Utilizaremos a seguir uma citação de Saviani (1997), na qual o autor resume os princípios pedagógicos desenvolvidos na Escola Tradicional, na Nova Escola e na Pedagogia Tecnicista, ou seja:

Se na pedagogia tradicional a iniciativa cabia ao professor que era, ao mesmo tempo, o sujeito do processo, o elemento decisivo e decisório; se na pedagogia nova a iniciativa desloca-se para o aluno, situando-se o nervo da ação educativa na relação professor-aluno, portanto, relação interpessoal, intersubjetiva – na pedagogia tecnicista, o elemento principal passa a ser a organização racional dos meios, ocupando professor e aluno posição secundária, relegados que são à condição de executores de um processo cuja concepção, planejamento, coordenação e controle ficam a cargo de especialistas supostamente habilitados, neutros, objetivos, imparciais [...] (SAVIANI, 1997, p. 24).

No Brasil, especificamente, o autor Antônio Joaquim Severino (1986) coloca que a significação ideológica da educação passa por três períodos, sendo o primeiro 1500-1889, com a predominância da ideologia Católica. O autor coloca que neste período a educação brasileira sofre influências do catolicismo, desenvolvido através da evangelização missionária e “[...] com seus valores, impregnou profundamente a vida social e cultural da colônia, chegando até mesmo a ser a religião oficial do país à época do Império [...]” (SEVERINO, 1986, p. 67). A educação seguia tais fundamentos, sendo uma estratégia de evangelização dos índios, escravos e atenção aos filhos dos colonos brancos e outros trabalhadores brancos.

O segundo período vai de 1889-1964 com a consolidação do Liberalismo, refere o autor Severino (1986) que, após a proclamação da República, a política educacional amplia suas perspectivas. Enquanto o setor tradicional da burguesia, representado pela aristocracia rural continuava no poder, ainda era, possível uma conciliação da ideologia cristã com a liberal. Porém, com a república, nasce também o setor burguês moderno que supera o domínio religioso. O período de consolidação da ideologia liberal é caracterizado “[...] pelo abandono da ideologia católica por parte da política educacional do Estado e pelo progressivo domínio da ideologia liberal, própria de uma burguesia leiga [...]” (SEVERINO, 1986, p. 75). Embora muitos valores do ideário humanístico-cristão tenham permanecido no humanístico-liberal, os valores dos conteúdos permanecem laicizados e desvinculados de sua significação religiosa originária. Nesse período ocorrem também modificações no sistema econômico brasileiro, pois além da formação da burguesia agro-exportadora, acontece, ainda, a formação da burguesia urbano-industrial, isto deve-se à efetivação do capitalismo.

Ao terceiro período o autor atribui a supremacia da ideologia tecnocrática, iniciada em 1964, até a sociedade contemporânea. Esse período efetiva-se em resposta à organização dos trabalhadores nos anos 50 e 60. Ocorre a mudança do regime político-administrativo com o golpe militar-ditadorial de 1964. Nesta fase a economia nacional passa a depender da economia do capitalismo internacional. Isso fez com que a educação sofresse reorientações impostas pelos organismos internacionais,

[...] em função dessa assistência estrangeira, a política educacional foi levando as medidas mais permanentes, consideradas necessárias à adequação do sistema educacional ao modelo de desenvolvimento econômico adotado. Várias reformas do ensino foram então aprovadas e implantadas, ao lado de medidas práticas tomadas para enfrentar a crise educacional que o país vivia e das medidas de repressão para conter a contestação estudantil [...]” (SEVERINO, 1986, p. 90).

Retomando nossa discussão no contexto mundial, podemos enfatizar que a evidência dos conflitos sociais suscitados no século XIX trazem para o século XX a urgência da construção de um novo modelo de sociedade. Entretanto, o que se vê são as fragmentações propostas pela sociedade “Pós- Moderna”[12] . O domínio hegemônico da classe dominante sobre a educação continua presente. Voltando ao autor Manacorda (2002, p. 359), percebemos que este também considera como caótica a situação das estruturas educativas no século XX, conforme mostra a citação abaixo:

Explode, portanto, no novecentos, de forma dramática, ao lado do problema da difusão e da tipologia das estruturas educativas, também o problema dos indivíduos educandos e educadores, o que agora é bem compreensível. [...] contradições educativas vão assumindo dimensões terrestres: um novo gênero de insitiva doctrina ameaça espalhar-se em escala mundial, exportando para todas as partes do mundo esta contraditória instituição escola, que é fruto da história passada, que tem sua origem não tanto na Grécia ou Judéia captam mas num poder que domina todos os povos como uma espécie de imperialismo ou hegemonismo cultural ( MANACORDA, 2002, p. 359) .

Para manutenção da dominação de nações sobre nações utiliza-se de inúmeros instrumentos. O que nos interessa agora é conhecermos as estratégias desenvolvidas pelos organismos internacionais para o direcionamento da educação. É no século XX que tais organismos se efetivam e semeiam a dominação. A ONU – Organização das Nações Unidas – e um de seus organismos, a UNESCO [13], são consideradas como conultationes catholicae [consultas universais], ambas

[...] nasceram ao término de uma guerra atroz, que desolara na Europa e metade do mundo: e ninguém pode hoje dizer se estamos ou não sub mundi finem . Podemos, porém dizer com as palavras de Marx, que a humanidade desenvolveu já uma totalidade de forças produtivas tais, capazes de tornar possível um domínio total sobre a natureza e sobre si mesma; mas que na divisão de cada sociedade em classes contrapostas e do mundo em nações hostis entre si, esta totalidade pode transformar-se, e já se transformou, numa totalidade de forças destrutivas da natureza e do homem (MANACORDA, 2002, p. 354-355).

Como ensina Leontiev (1978, p. 279) as “[...] relações entre os países não assentam nos princípios da igualdade de direitos, da cooperação e entre-ajuda, mas, no princípio da dominação do forte sobre o fraco”. É desta maneira que percebemos as relações internacionais contemporâneas, pois mesmo com as “máscaras” dadas aos organismos, com discursos de ajuda, paz, desenvolvimento, o pano de fundo é um só: o domínio. Romanelli (2002) apresenta que o grande objetivo dos investimentos internacionais em sociedades colonizadas ou recém-saídas do colonialismo é preparar mão-de-obra ou recursos humanos em diferentes níveis de qualificação, os quais são adaptados culturalmente de acordo com as necessidades dos grupos investidores, consolidando, desta forma a dependência.

Tal dominação é comprovada através da Carta Magna da ONU, a Declaração Universal dos Direitos do Homem , aprovada em Assembléia Geral no dia 10 de dezembro de 1948. No documento podemos perceber quais os reais interesses que os organismos representantes das classes dominantes esperam para a educação de nações que vivenciam a exploração cotidianamente. Fica evidenciada a reprodução de valores liberais, os quais defendem a liberdade para a continuidade do domínio do Capital:

1. Cada indivíduo tem direito à instrução. A instrução deve ser gratuita pelo menos para as classes elementares e fundamentais. A instrução elementar deve ser obrigatória. A instrução técnica e profissional deve ser colocada ao alcance de todos e a instrução superior deve ser igualmente acessível a todos com base no mérito . 2. A educação deve ser orientada para o pleno desenvolvimento da personalidade humana e para o fortalecimento do respeito dos direitos do homem e das liberdades fundamentais. Ela deve promover a compreensão, a tolerância, a amizade entre todas as Nações, os grupos raciais e religiosos, e deve favorecer a obra das Nações Unidas para a manutenção da paz. 3. Os pais têm o direito de prioridade na escolha do tipo de instrução ministrada aos seus filhos (ONU, 1948 apud MANACORDA 2002, p. 353-354, grifo nosso).

Percebemos, ainda, que independente da pedagogia “escolhida”, a hegemonia da classe dominante é mantida. Conforme Manacorda (2002, p. 352), “[...] sempre encontramos a transferência, de um povo ou grupo de povos para outros povos, de uma experiência histórica que foi transformada em um modelo pré-constituído [...]”. Com isso, os países periféricos sofrem influências diversas da escola nova [14] , escola da palavra [15], sem haver a preocupação do desenvolvimento de uma educação crítica.

Somos sujeitos nesta “história”: algumas considerações

Cabe-nos refletir como a educação pública se efetiva hoje, principalmente, nas escolas dos países “periféricos”, os quais têm como único instrumento em meio das relações mundializadas do capital, a força de trabalho da população. Vemos, que o “direito” à educação expandiu-se, conforme afirma Manacorda (1991). Entretanto, a diferenciação entre ensino direcionado à classe dominante e à classe trabalhadora continua existindo. Nos interessamos pelo apanhado geral da escola contemporânea feita pelo autor, a qual demonstra os “avanços” conquistados e a manutenção das “diferenças”, conforme segue abaixo:

A escola, daquela estrutura reservada aos jovens das classes privilegiadas, converteu-se, cada vez mais, numa escola aberta também aos jovens das classes subalternas. A velha aprendizagem artesanal desapareceu e o vazio por ela deixado foi ocupado pelo ensino elementar e técnico-profissional e pelo novo aprendizado do trabalho representado pelas escolas de fábrica. Mas a antiga discriminação de classe continua a manifestar-se, mais ou menos acentuada nos vários países, com duas linhas de fratura: uma, “horizontal”, entre os que deixam precocemente as estruturas escolares para ingressar nas estruturas do trabalho, e os que naquelas permanecem ulteriormente para adquirir a ciência; a outra, “vertical”, entre os que estudam na escola desinteressada da cultura, e os que estudam na escola profissional da técnica. A tendência atual é do deslocamento para cima da divisão “horizontal”: dos três anos de escolaridade obrigatória de um século atrás passou-se aos oito anos de hoje [...] (MANACORDA, 1991, p. 128 -129).

Em suma, percebemos, dentro do processo histórico de institucionalização da escola pública, que esta sempre foi vista como instrumento para manutenção da dominação, sendo possível confirmar tal tese, partindo da afirmação de Frigotto (1996, p. 44), que “[...] A escola é uma instituição social que mediante suas práticas no campo do conhecimento, valores, atitudes e mesmo por sua desqualificação, articula determinados interesses e desarticula outros [...]”. Aludimos que, mesmo antes do capitalismo ser estabelecido como modo de produção a pedagogia educacional mantinha as classes populares afastadas da ciência. Atualmente, com a completa hegemonia capitalista, a educação é utilizada para a obtenção de pseudos investimentos, os quais podem ser considerados puramente como empréstimos que mantém a subordinação.

A dominação perpassa o domínio micro-social e direciona-se para o macro, pois, através da reprodução da ideologia dominante, o despertar de consciência dos trabalhadores é dificultado. Para a manutenção da acumulação de capital, não é interessante que o trabalhador se perceba como “classe” capaz de fazer história. Desta forma, remetemos a importância da consciência dos sujeitos que constróem a Escola Pública e a efetivação do concreto-pensado nas relações cotidianas. É preciso a certeza que se não desenvolvermos a crítica, estaremos reproduzindo a dominação, portanto, faz necessário que no âmbito da relação dialética entre estrutura/superestrutura, estejamos revelando a importância do posicionamento e da construção coletiva, acreditando na possibilidade da construção de uma nova sociedade e a reversão da dominação posta, partindo do pressuposto marxiano de que é a vida que faz consciência e não o contrário.


EXERCÍCIOS

  1. Caracterize educação na sociedade primitiva:
  2. Segundo a primeira parte do texto acima -"Educação Materializada", a que se presta a instituição escolar?
  3. Faça um breve resumo do surgimento da escola pública conforme o texto "Escolas na Sociedade de Classes":
  4. Quais são os quatro períodos do pensamento moderno? Caracterize-os:
  5. Qual a função da Escola Pública:
  • Religiosa?
  • Estatal?
  • Nacional?
  • Democrática?
6. Que influências as Revoluções Francesa e Industrial tiveram sobre a educação?
7. O que é alienação segundo Karl Marx?
8. Quais os períodos, seungo Severino (1986), pelos quais passa a educação no Brasil e quais são as suas principais características?