segunda-feira, 23 de maio de 2011

Desvios Institucionais - 3 ano

3º Ano do Ensino Médio

O QUE SÃO DESVIOS INSTITUCIONAIS?
O que define Estado é o conjunto de suas regras jurídicas. O fundamental é que essas normas são postas para controlar o exercício do poder no Estado Democrático de Direito, fazendo que governantes, políticos e qualquer cidadão estejam submetidos ao império da lei.
Mas essa submissão dos agentes políticos não significa que não seja possível qualquer tipo de desvio. A noção de desvio implica a ideia de que um agente saiu de um certo caminho traçado. É como a água que transborda dos rios. Os rios são fluxos de água que seguem em uma direção específica. Quando transbordam, a água sai de seu fluxo normal e provocam estragos os mais variados. O desvio do fluxo da água também pode ser feito por intervenção humana, quando alguém muda a rota normal pela qual a água seguia. A norma jurídica posta pelo Estado tem a pretensão de ser algo semelhante a um rio, porque determina um fluxo da ação praticada por agentes humanos.
Essa é a noção que a ideia de desvio produz. Mas precisamos pensar. Quando é possível falar que um desvio ocorreu? De acordo com essa analogia com o fluxo da água de um rio, o desvio ocorre sempre que o fluxo de nossa ação social sai de sua normalidade. E onde essa normalidade da ação está posta? O que diz o que é normal e patológico? O normal está instituído no Direito, o qual diz o que é proibido e o que é permitido. Não por acaso a palavra normal tem a raiz etimológica da palavra norma. A norma institui aquilo que é normal. Só podemos pensar o desvio se houver uma norma que institui o que é normal, porque o desvio é, por definição, uma patologia.
Essa distinção entre o normal e o patológico foi criada pelo sociólogo francês Émile Durkheim, em seu livro As regras dométodo sociológico. A diferença entre o normal e o patológico para Durkheim é sublime e precisa de bastante reflexão, pois ela nos ajuda a entender o que dá coesão aos sistemas sociais.
A noção de desvio é devida ao pensamento de Durkheim, para o qual só é possível pensar em um comportamento desviante se houver uma normalidade instituída. Por isso, Durkheim afirmou que o crime como um tipo de desvio, é normal na vida social, porque não é possível ¬dizer o que vem primeiro, se o normal ou o patológico. O crime é normal na vida social porque não é possível pensar a existência de regras se não houver sua transgressão. Do mesmo modo que não é possível dizer que haja uma transgressão se não houver uma norma que diga o que é normal.
Como a Sociologia é a ciência que estuda as instituições sociais, segundo Durkheim, podemos pensar que ocorrem desvios nessas instituções. Como instituições, de acordo com o pensador francês, são artifícios humanos, trata-se dos desvios proporcionados pelos homens dentro das instituições. Vamos falar, essencialmente, dos desvios produzidos nas instituições do Estado, tendo em vista a política e a luta pelo poder. Mas quais são os desvios institucionais do Estado?

QUAIS SÃO OS DESVIOS INSTITUCIONAIS?
Vimos que para pensar a ideia de desvios institucionais, é fundamental ter em vista a noção de Direito: o império da lei institui aquilo que é normal e define, por sua vez, aquilo que é patológico, ou seja, o desviante da normalidade. A característica fundamental do Estado de Direito é o fato de o império da lei não permitir qualquer tipo de privilégio ou uso indevido do poder. A lei está a serviço da sociedade para controlar o poder do Estado e não permitir seus desvios.
Como a lei tem a pretensão de dar uma direção à nossa ação, os desvios institucionais apenas podem ocorrer em função dela. E como o império da lei, de acordo com Max Weber, na modernidade, vem para controlar o poder e acabar com os privilégios, os desvios institu¬cionais devem ser pensados a partir do Direito e da razão de Estado, e não dos interesses pessoais. Do ponto de vista dos elementos centrais para pensar os desvios institucionais, é fundamental ter a noção de que esses desvios são oriundos da luta pelo poder e dos privilégios de certos grupos sociais.
Poder e prestígio são os fatores centrais para a existência dos desvios institucionais. Eles são derivados do abuso do poder, seja político seja econômico, e dos privilégios de certos grupos sociais na sociedade. Entre os principais desvios institucionais estão o clientelismo, o nepotismo, a patronagem e a corrupção. São modulações dos desvios institucionais que estao relacionadas ao abuso do poder por certos agentes políticos ou aos privilégios que certos grupos sociais têm no exercício de seu poder. Na modernidade, a separação entre o público e o privado é o elemento central de constituição do Direito do Estado. O anormal, portanto, o que representa o desvio, é tudo aquilo que faz que o mundo privado não se diferencie do mundo público. Todos os desvios institucionais estão rela¬cionados a essa diferenciação entre o público e o privado.
O clientelismo é uma das práticas mais antigas da política. Pres¬supõe uma relação interativa entre o cliente e o patrão. Fundamental¬mente, o clientelismo é uma forma de vincular os homens livres a seus patronos, caracterizada pela troca de favores e de presentes, tendo em vista o apoio político. A relação entre patronos e clientes sustenta-se, por conseguinte, em um sistema de trocas que, enquanto prática, tolera certa prevaricação do patrono em relação à res publicae (coisa pública). Ou seja, o sistema de trocas do clientelismo permite uma tolerância sobre o fato de o chefe político elevar seu mundo privado sobre o mundo público.
O nepotismo, do mesmo modo que o clientelismo, é um tipo de prática antiga, datada do domínio dos papas sobre o império roma¬no. A palavra nepotismo vem do latim nepos, que quer dizer sobrinho. O nepotismo se referia ao poder dos sobrinhos do papa em Roma. Na acepção moderna, o nepotismo se refere a qualquer pessoa que exer¬ça um poder ou tenha certo privilégio porquanto tenha um parente em uma posição de comando. O nepotismo institui certos privilégios na administração do Estado e ineficiência da ordem burocrática. O nepotismo permite a apropriação de cargos públicos em virtude de laços exclusivamente pessoais, relacionados ao parentesco.
A patronagem é um sistema entre patrão e clientes, mas que ocorre exclusivamente no plano das instituições. A patronagem está relacionada aos sistemas partidários e ao modo como governantes exercem cooptação sobre os partidos. O governante dá aos partidos políticos recursos e poder em troca de apoio nas arenas legislativas. Com isso, os partidos apadrinhados pelo sistema de patronagem po¬dem participar dos despojos, ou seja, da distribuição dos cargos pú¬blicos para atender aos interesses privados de políticos e burocratas.
A corrupção, por outro lado, ocorre quando um funcionário públi¬co recebe vantagens em troca do não cumprimento de um dever oficial, seja para atender ao interesse privado de outro funcionário público, seja para atender ao interesse de um agente privado. A corrupção se dá, fun¬damentalmente, em razão do dinheiro e do poder.
OS DONOS DO PODER
(Raymundo Faoro)

A política será ocupação dos poucos, poucos e esclarecidos, para o comandc das maiorias analfabetas, sem voz nas urnas. [...]
Nos primeiros arrancos republicanos, com o Exército na chefia do governo e nomeados os governadores [...], a estrutura não sofre alterações. A dinâmica do regime, eletivos os cargos, sobretudo o cargo de governador leva a deslocar o eixc decisório para os Estados, incólumes os grandes, cada dia mais, à interferência do centro, garantindo-se e fortalecendo-se este com o aliciamento dos pequenos, num movimento que culmina na política dos governadores. Dentro de tal se¬quência é que se afirma o coronelismo, num casamento, cujo regime de bens e relações pessoais será necessário disseminar, com as oligarquias estaduais. [...]
O coronel, antes de ser um líder político, é um líder econômico, não necessa¬riamente, como se diz, o fazendeiro que manda nos seus agregados, empregados ou dependentes. O vínculo não obedece a linhas tão simples que se traduziram no mero prolongamento do poder privado na ordem pública. [...] Ocorre que o coronel não manda porque tem riqueza, mas manda porque se lhe reconhece esse poder num pacto não escrito. Ele recebe — recebe ou conquista — uma fiuida delegação, de origem central do Império, de fonte estadual na República, graças à qual sua autoridade ficará sobranceira ao vizinho, guloso de suas dragonas simbólicas, e das armas mais poderosas que o governador lhe confia. O vínculo que lhe outorga poderes públicos virá, essencialmente, do aliciamento e do preparo das eleições, notando-se que o coronel se avigora com o sistema da ampla eletividade dos cargos, por semântica e vazia que seja essa operaçao.

FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. Porto Alegre; Rio de Janeiro. Globo, 1985 v 2 p 621 2

Com base na leitura do texto de Raymundo Faoro, responda às questões a seguir:
1 - O que o autor entende por coronelismo? Pode-se afirmar que se trata de um desvio institucional?
2 – O trecho selecionado aborda a passagem do Império para a Repú¬blica no Brasil. Pode-se afirmar que, com a instituição desse novo regime, a maior parte da população passou a ter voz na política do país? Justifique sua resposta.
3 - Em que medida a “política dos governadores” determinou o coronelis¬mo? Recorra ao texto “Coronelismo, um tipo particular de clientelis¬mo”, se julgar necessano.
4 - A partir da prática do coronelismo, como se pode interpretar a frase: “A política será ocupação dos poucos, poucos e esclarecidos, para o comando das maiorias analfabetas, sem voz nas urnas”?
6 De que maneira o coronelismo fere os princípios da democracia?

CORONELISMO, UM TIPO PARTICULAR DE CLIENTELISMO
Um dos desvios institucionais mais frequentes na história da humanidade é o que se refere ao uso que determinados grupos políticos fa¬zem do Estado para se perpetuar no poder. No Brasil, uma das palavra que melhor expressam esse tipo de prática é coronelismo. Até hoje importantes líderes — geralmente exercendo mandatos parlamentares ou ainda no Poder Executivo local e regional — têm sua força eleitoral atribuída às práticas coronelísticas historicamente construídas.
A origem do coronelismo está associada à própria constituição do Estado nacional brasileiro após a independência política, proclamada em 1822. Com o argumento de que era necessário garantir a unidade nacional, o imperador D. Pedro I impôs uma Constituição que lhe ara¬buía poderes absolutos, decisão que causou revoltas em diversas regiões do país. Sem conseguir se impor diante de uma oposição política cada vez mais forte no Brasil e aparentemente muito interessado no processo sucessório da Coroa portuguesa, D. Pedro I renunciou. Seu herdeiro, D. Pedro de Alcântara, tinha então apenas cinco anos de idade.
Assim teve início o período regencial (1831-1840) . Foi uma época de muita agitação e, a princípio, o governo ficou sob o controle dos políticos moderados (os chimangos). A oposição a eles se articulou, de um lado, em torno de políticos conservadores conhecidos como caramurus, que desejavam o retorno ao poder de D. Pedro I, movimento que só acabou após sua morte, em 1834. De outro lado, no grupo conhecido como “exaltados” (ou farroupilhas), estavam os defensores de reformas radicais do sistema de governo, entre eles os federalistas, que queriam descentralizar o poder político, e os republicanos, que lutavam pelo fim da Monarquia.
Os grupos sociais que não se sentiam representados pelos polí¬:nos tradicionais acirraram o clima de conflito com conspirações e violentas manifestações populares e militares nas ruas.
Em meio à crise surgida após a abdicação e em virtude da falta de entendimento entre as elites políticas, a Regência Trina tentava con¬quistar o apoio dos grandes fazendeiros. A maior preocupação era: como controlar o poder político e garantir sua dominação social? Uma das medidas destinadas a resolver esse problema foi a criação da Guarda Nacional, em 1831. Dela só poderiam participar homens que tivessem uma renda mínima anual de cem mil réis, comandados pelo chefe político local eleito pelos fazendeiros para a função de coronel.
Teoricamente, a Guarda Nacional deveria ser mobilizada para de defender o interesse público, mas na prática os coronéis defendiam os interesses particulares das elites políticas e econômicas. As disputas pelo poder local se davam em torno do controle do então frágil aparelho de Estado existente nos municípios. A função de coronel tornou-se um pos¬to cobiçado, pois poderia decidir quem seria dono do poder local.
Além do uso da violência contra seus inimigos políticos, os coronéis concediam pequenos favores e providenciavam alguns benefícios à população em troca de voto em seus candidatos.
Durante toda a República Velha (1889-1930), interessava ao go¬verno federal que houvesse líderes locais com quem pudesse realizar troca de favores. Num país em que a principal atividade geradora de riquezas era a agricultura e, por causa disso, a maioria da população vivia no meio rural, os presidentes articulavam apoio nos estados por meio da “política de governadores”, trocando apoio político por verbas públicas para obras do interesse local. Os governadores eram eleitos em razão dos apoios recebidos dos coronéis de seu estado, formando uma rede de compromissos políticos e particulares.
Apesar da extinção da Guarda Nacional em 1922, a força política dos cooronéis manteve-se durante algum tempo com jagunços e capangas para combater as tentativas de desafio aos seus interesses. Símbolo de um mundo rural em rápida transformação, o coronelismo entrou em decadência a partir da década de 1930, à medida que a modernização da sociedade brasileira se refletia na industrialização e urbanização do país.

Padre Cícero, um coronel de batina
Considerado um santo por muitos, padre Cícero Romào Batista (1844 - 1934) ainda hoje é tido como uma das figuras políticas brasileiras mais polêmicas. Nascido em Crato, interior do Ceará, Cícero ordenou-se padre em 1870 com o apoio de um importante coronel de sua região. Foi suspenso de suas atividades sacerdotais pelo bispo de Crato em 1892. após envolver-se na divulgação de um suposto milagre do qual teria participado no povoado de Juazeiro do Norte.
A partir de então, aproveitando o enorme prestígio obtido na luta pelo reconhecimento do milagre, padre Cicero iniciou suas atividades políticas ao se tornar o primeiro prefeito de Juazeiro, aliando-se ao governador Nogueira Acioli, representante das oligarquias que dominavam o estado havia 25 anos. Em 1912, o governo federal interveio na política cearense. apoiando militarmente a posse do candidato Franco Rabelo. O novo governador, dentre várias ações que provocaram revolta entre os coronéis cearenses, afastou o padre Cícero do cargo de prefeito.
De dezembro de 1913 a março de 1914, o estado foi abalado por sangrentos combates entre forças legalistas e tropas de jagunços sob o comando do deputado Floro Bartolomeu, com apoio do padre Cícero. Após várias derrotas, e com os revoltosos invadindo Fortaleza, Franco Rabelo renunciou. O padre Cicero foi nomeado vice-governador do estadc .
Ao longo de sua vida, padre Cícero acumulou grande fortuna, tornando¬ - se proprietário de mais de trinta fazendas. Em seu terceiro testamento, deixou boa parte de sua fortuna para a Diocese de Crato e para várias ordens e irmandades religiosas. O carisma político e a influência religiosa do “padim Ciço” movimentam até hoje romarias com milhares de pesso que todos os anos vão a Juazeiro pedir a bençào dele.

A DEVOÇÃO PELO CÍCERO
Todos os anos, cerca de dois milhões de peregrinos visitam Juazeiro do Norte, CE, movidos pela crença nos milagres do padre Cícero. Apesar de a Igreja nunca ter reconhecido seus supostos milagres nem seu papel missionário, a veneraçao em torno do padre levou algumas autoridades católicas a rever sua posição.
A polêmica em torno do assunto tem por origem o fenômeno de transformação de hóstias em sangue no momento da comunhão da beata Maria de Araújo, que teria se repetido diversas vezes entre 1889 e 1891. Na época, uma comissão havia concluído pela autenticidade dos fatos. Mas o bispo de Crato, tido como adversário político do “padim Ciço”, formou nova comissão que reduziu o episódio a uma farsa. Em função disso, o padre foi suspenso de suas atividades eclesiásticas e chegou a ter uma ordem de excomunhão expedida pelo papa LeãoXIII. Apesar disso, a fama dos milagres continuou se espalhando e transformou a crença no padre Cícero num negócio muito rentável, movimentando a economia da cidade de Juazeiro com o crescimento da indústria e do comércio de suvenires religiosos.
Diante da expansão das religiões protestantes pelo interior do Nordeste, a reabilitação do “padim” pela Igreja Católica pode contribuir para a manutenção de seus fiéis e preservação da influência do clero católico na região.

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